Raiz


Não posso mais brincar
De tua ausência
Ressentido caule
Como viver assim
Arrancada de tua presença?

Tua lacuna em mim
É pungente vazio
Princípio
De tudo que sou
Do pouco que sou
Raminho tenro
De tua estrutura
Pujante e admirável!

Galho de tua figueira
Fruto germinado
No anseio do amor
Que perseguias
Na querença
Da imaterial fortuna
Que acossavas
Com o ardor
De teus épicos heróis. – também os meus!
De capa e espada
Desgosto e regozijo
Sanha e brandura
Demarcados nas iluminuras
Do nosso tempo perdido

Por que imergistes tão profundo
Naquele poço escuro
Se era a ti que eu queria
Tanto, tanto...

Velava o teu sono
Carpindo o teu pranto
Mirrando ao teu lado
Tristeza que nos tomava
E me arrebatava para longe
Do calor do teu regaço

Como não te amar
Luzeiro candente
Janela aberta para o firmamento
Tecelã de tudo o que possuo
De humano e valoroso: o belo, o lírico, a linha do horizonte!

Como não te querer bem
Se levada por tuas mãos
Pude distinguir o que valia
Da sordidez
De só existir sem navegar?

Na lonjura de tua natureza telúrica
Na dureza de teu semblante circunspecto
Esperava...
Esperança minha, diminuta... Assente!
Mistério que guiava
A fome grande de tua afeição
Fome imponente! Fome só!
Soberana do convencido orgulho
Senhora da doída amargura

Com sorte, deixavas escorrer na pedra
O doce licor de teus trigueiros olhos
Mirando com brandura
Minhas primeiras horas
No mundo partido

Beleza e fragrância tuas
Flor atrevida e brutal
Melancólico jacinto
Não te apartes assim de mim
Que feneço e expiro e findo
Lívida e mutilada
Vitelinho desgarrado
Perseguindo o teu rastro

Sôfrego ardor
Tocando os dedos no ar
Teu rosto oculto na cerração

Ainda mais além
O espectro de tua coroa
Cravejada de sonhos espantados
E alegrias atravessadas por miragens

Das paragens
De teu sentido desencanto
Nem imaginas
Minha tonta e altiva rainha!
Que só tu
Com tudo o que carregas
De belo e assombrado

Contentamento e desesperança
Bondade e tirania
Aflição e bonança
Amor e dor
Só tu, dama adorada!

Carregas além da coroa
O cetro, o brocado de fios de ouro e a capa de arminho
Posto que vives, tão plácida e majestosa!
No mais alto, ilustre e gracioso
Recanto do meu coração...

4 Comments

  1. Putz, que lindo!!!!! Carl! Parabéns. Você escreve muito bem, exala poesia!

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  2. Emocionante, Carol! Incrível como tem tudo a ver com a minha mãe! Universalidade: característica dos grandes escritores. Parabéns e obrigada por este momento tão lindo que seus escritos proporcionam. Bj!

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  3. É uma oração, um hino de louvor, um cântico à glória do desvelo mais intenso e abrangente que só uma Mãe sabe dar.
    Mas é também uma exaltação do amor incondicional, da entrega total, da fusão mais perfeita e sem a qual parece que nada chega propriamente a ter dignidade existencial...
    Se as várias instâncias e estratificações imobilistas das instituições religiosas não fossem tão relapsas à fusão do humano com o divino, este Cântico estaria impresso em folhinhas soltas e à disposição na entrada e nos bancos dos templos em que nos recolhemos na eterna busca do Absoluto.
    Só a nossa querida Autora (de quem nunca se sabe onde começam e onde terminam o fervor religioso e o amor intenso à vida) seria capaz de nos mostrar de modo tão marcante que é possível e desejável esbater as fronteiras que, por conveniência meramente racionalista, não temos coragem de deixar de impôr a nós próprios ao nos circunscrevermos à sempre limitada condição terrena.
    Convite a reler várias vezes (ou rezar...?) esta belíssima "Raiz", saboreando pausadamente a profundidade tocante das imagens e a pureza da perfeição formal...
    Como fundo, as várias Suites para violoncelo solo de J.S.Bach https://www.youtube.com/watch?v=EcR6j_JNwQs
    ou esta Gloria de uma Missa de Giovanni da Palestrina https://www.youtube.com/watch?v=BSo8rRn-vEA

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