Nosso Junho de Canetinha Hidrocor
Num dia como o
de hoje, plúmbeo, místico e distante do tempo, comecei a ouvir cordas harmônicas
no interior onde habito só com aquele que me criou.
Quanto mais a música era doce, viva, angélica, mais a luz do farol se distinguia e aquele tapete magnânimo de água vibrava ao bater no escarpado, contornado com tanta força como um desenho de criança feito de canetinha hidrocor.
-Enquanto o teu
coração parava, o meu foi diminuindo, diminuindo, como se ele fosse um fruto
muito suculento sendo espremido até que todo o líquido desaparecesse. Por infinitos
instantes, me recusei a engolir e a puxar o ar para dentro dos pulmões,
entretanto...
-Entretanto...
- A música foi
ficando mais animada e você começou a dançar uma coreografia estranha e a
entoar uns gritos de guerra ao redor da fogueira.
-Você jura?
-Juro. Bem, pode
ser que tenha exagerado um pouco na descrição, mas foi algo bem parecido com isso.
A música era épica e vibrante com certeza!
-Menina.
-Papai.
-Nenhum dia se
perdeu, menina. Nós não fizemos nenhuma viagem “debalde”.
-Muito
engraçadinho, você.
-Nada foi
perdido, desfeito ou deixou de existir entre nós desde o dia em que entrei
naquele berçário e te peguei em meus braços, pequena criatura. E mesmo antes,
no mistério.
-Papai, daqui a
pouco meus cabelos mudarão de cor e os seus estão escuros e brilhantes, sua
face brilha e você é tão bonito e jovem! Como isso é possível?
-Porque o amor me lavou todo. Porque quando eu caí, o Criador me levantou e disse: até quando você aguenta sem mim? E eu respondi: nem mais um segundo.
Minha filha, há
uma palavra que as pessoas do mundo repetem exaustivamente, mas ela fica parada
como um vento terral. O Maestro disse e diz: faça a sua parte nesta obra.
-Amor?
-Portal. O amor
é um portal para mim e para você, pequena e amada alma. Ocorre que até chegar
inteiramente no amor, que é magnânimo, luminoso, hospitaleiro e confortável,
você precisa ultrapassar o temor, a carne e o sangue, a dor, o horror, o
desespero e o mal. Tenha fé, menina.
-Eu terei. Sou
filha de Deus. O Deus que me deu você num dia frio de junho, quando os
elementos ficam contornados com tanta força, como um desenho de criança feito
de canetinha hidrocor.
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