Sempre fui conectada com Carlos,
o homem que eu amei. Tudo indicava que ele não fosse ficar para semente e assim
foi. Um dia Carlos entregou o boné e caminhou entre as nuvens em linha não
muito reta num passo só seu, meio dançante, os braços soltos quase deslocados
do corpo, as pernas ágeis de andarilho, o semblante de uma brandura presente e
concreta.
E a voz era a voz da juventude,
da alegria, do silêncio de bailados submersos, única capaz de elevar aquele seu
vitelinho do poço escuro dos temores e angústias da meninice. Então eu voava
com ele, na vastidão das esperanças e das alegrias que me fazia despontar com
seu olhar-luz do sol- caleidoscópico, colorido e candente!
Senti tanta saudade daquele meu
amigo, o pai dessa menina Ana Carolina que cresceu e ainda precisava
ficar por aqui para continuar aprendendo sobre esse mundo de coisas concretas,
pesadas, de cores desmaiadas. Um mundo com tão pouco ar!
–Volta papai e tira meus pés delicados de
dentro desta lama aqui! E fez-se um silêncio impossível de se ouvir. Nenhuma
palavra, nenhum telefonema, carta, SMS, Skype, Messenger, whatsApp, nada, nada!
O coração disparou, correu por
paragens inóspitas de perdição e tristeza. Gosto sem sabor, desgosto só... Se
meu amigo não estava mais aqui comigo, só a dor lancinante se sentaria em seu
lugar. No assento vazio, o som do mais triste adágio...
Quem agora me enlevaria e
mostraria aquele mundo fechado, teso, pegajoso com sua poderosa luneta mágica
de amor, esperança e graça? E forjaria o barquinho de papel velejando comigo
por entre as curvas sinuosas do rio que não interrompe e segue e pulsa e se
lança e vive e vive e vive! Sabendo que se aglutinará à vastidão do oceano: Meu pai, meu amor, meu querido!
Posso te sentir por entre meus finos dedos como uma canção que
aprendi a tocar no meu pianinho imaginário. Como estiveste o tempo todo aqui e
agora e eu não pude te ver, valoroso coração apartado de mim?
O nosso barquinho continua a
correr como sempre foi e sempre será, não é? Quando fecho os olhos, a mesma voz
aluada e louquinha a plantar sonhos neste teu jardim que cresce e cresce e
cresce!
O som é desarmônico, as almas
deste mundo correm cegas e desconjuntadas para o abismo sem dar as mãos e eu
sou só o teu bichinho frágil e diminuto! Ainda assim, meu pai, como a chuva que
cai e o sol que levanta e se deita, como todas as estrelas que brilham mesmo
entre as nuvens e os rebentos que nascem e emitem o seu som de vida posso ouvir
o som do teu silencio em minha jornada naquele barquinho que projetaste. Tua
voz, teu coração batendo. Olho para o caminho. Já agora
não sou só aquele pianinho triste. Sou eu, você e toda a nossa orquestra correndo
pelo rio que um dia será mar.